Olá, viajantes!
A resenha de hoje traz para vocês um livro que há algum
tempo andava parado aqui na estante, mas que eu sentia muita curiosidade em
ler. E posso dizer que a experiência de leitura superou as minhas expectativas,
de forma quase dolorosa. Vocês vão entender porque ao longo das minhas impressões.
Agora, sem mais delongas, vamos falar de Entre Quatro Paredes, de B. A. Paris!
TÍTULO: Entre Quatro Paredes
AUTOR: B. A. Paris
EDITORA: Record
NÚMERO DE PÁGINAS: 266 páginas
SINOPSE: Grace é a esposa perfeita. Ela abriu mão do emprego para se dedicar ao marido e à casa. Agora prepara jantares maravilhosos, cuida do jardim, costura e pinta quadros fantásticos. Grace mal tem tempo de sentir falta de sua antiga vida. Ela é casada com Jack, o marido perfeito. Ele é um advogado especializado em casos de mulheres vítimas de violência e nunca perdeu uma ação no tribunal. Rico, charmoso e bonito, todos se perguntavam por que havia demorado tanto a se casar. Os dois formam um casal perfeito. Eles estão sempre juntos. Grace não comparece a um almoço sem que Jack a acompanhe. Também não tem celular, que ela diz ser uma perda de tempo. E seu e-mail é compartilhado com Jack, afinal, os dois não guardam segredos um do outro. Parece ser o casamento perfeito. Mas por que Grace não abre a porta quando a campainha toca e não atende o telefone de casa? E por que há grades na janela do seu quarto? Às vezes o casamento perfeito é a mentira perfeita.
*ATENÇÃO: A RESENHA PODE CONTER SPOILER DO LIVRO
Grace é uma garota como qualquer outra, com várias
responsabilidades, no entanto. Sua irmã Millie tem síndrome de Down e ela sabe
que, assim que seus pais resolverem aposentarem-se de vez e sua irmãzinha sair
do colégio interno onde vive, a tarefa de cuidar da pequena ficará em suas mãos,
o que não é nenhum sacrifício, já que as duas se amam e se dão muito bem. Porém,
com todo seu tempo dedicado ao emprego que lhe exigia viagens frequentes por
diversas partes do mundo, Grace preocupava-se em não poder dar a Millie todo o
amor e atenção que merecia e por isso se jogou de cabeça na oportunidade que
surgiu em sua vida a partir do momento que conheceu Jack, um advogado de
renome, conhecido por ajudar mulheres vítimas de violência por parte de seus
maridos.
Jack surgiu como um fôlego novo na vida de Grace e ela se
apaixonou perdidamente por ele rapidamente. Por esse motivo, ninguém se
surpreendeu quando os pombinhos anunciaram seu casamento. Agora Grace não iria
precisar trabalhar, podendo dedicar-se exclusivamente a sua nova casa, à Millie
e ao marido que ela tanto amava. Além disso, ao fazer 18 anos sua irmã teria um
lar e uma família esperando por ela, uma vez que Jack generosamente ia trazê-la
para morar com os dois. Um futuro que parecia infinitamente promissor e feliz
transformou-se, entretanto, em algo negro e obscuro, a partir de uma revelação que
Grace jamais poderia imaginar ou supor. O que você faria de descobrisse que o
homem pelo qual se apaixonou e com o qual sonhou construir uma vida não é nada
daquilo que você havia imaginado?
Entre Quatro Paredes foi indicação de uma amiga num clube de
leituras do qual participei algum tempo atrás e, pela sinopse, eu me interessei
pelo livro. Comprei meu exemplar mas infelizmente ele foi parar na enorme
pilhas de títulos para ler assim que a oportunidade surgisse. Quando eu enfim
comecei a leitura, não imaginava a quantidade imensa de emoções que ele faria
surgir e isso me pegou desprevenida, mas não foi algo ruim, no sentido prático
da palavra: pelo contrário, eu me vi totalmente envolvida com a história de
Grace e Jack, torcendo para um final feliz que dificilmente viria.
A narrativa é organizada de forma a alternar capítulos entre
passado e presente e o foco narrativo aqui é totalmente voltado para Grace,
sendo, portanto, em primeira pessoa. Acredito que essa escolha não poderia ser
mais acertada no caso específico desse título. O leitor acompanha todas as
cenas através da visão da protagonista, e por isso consegue acompanhar de um
jeito quase íntimo todos os sentimentos, as emoções e as sensações que vão
surgindo com o desenrolar da trama. Essa visão tão detalhista da própria
história faz de Grace uma narradora exemplar e dá ao leitor a possibilidade de
entender e, mais do que isso, sentir, exatamente o que a personagem passa
durante cada situação e, na minha opinião, é essa perspectiva em primeira
pessoa que dá o tom definitivo de intensidade e dramaticidade que o livro
carrega.
O livro inicia com a cena de um jantar entre o casal
protagonista e seus amigos mais próximos. Ali somo apresentados ao
relacionamento perfeito de Jack e Grace e conhecemos o início de sua história. A
sensação de desconforto, que vai se estender ao longo de toda a narrativa,
começa já nesta parte inicial da trama, na qual o leitor consegue perceber
pistas (pequenas, mas contundentes) de que talvez a relação entre Jack e Grace não
seja assim tão consistente e irrepreensível como eles querem fazer parecer. Espero
não dar um spoiler gigante, mas não há maneira de continuar essa resenha sem
mencionar esse detalhe tão importante na história: esse é um livro que trata de
abuso. E não, eu não estou falando de todos os casos que Jack bravamente
defende como advogado, das mulheres que salva ou dos covardes que manda para a
cadeia. Estou falando, sim, da relação entre ele e sua tão amada esposa.
Acho que aqui vale destacar, caso você, caro viajante, ainda
não tenha se dado conta disso, que a violência não se dá apenas em um nível físico.
Muito além das dores que qualquer machucado pode causar, um dos piores lados de
relacionamentos abusivos se mostra psicológico, a partir de palavras, ameaças e
restrições que afetam diretamente a vida do parceiro. É exatamente esse abuso psicológico
que tanto incomoda ao longo deste livro em específico, e mais do incomoda
inquieta: é como se o leitor pudesse entrar na história e sentisse todos os
medos, angústias e aflições de Grace a partir do momento que seu marido se
revela um perfeito psicopata. E, diferente do que muitos de vocês podem estar
imaginando, isso não acontece logo de cara, apesar de ser rápida a percepção para
quem está de fora da situação. Pequenas atitudes, caprichos que não fazem
sentido (como Grace deixar de lado seu emprego), um controle que parece
possessivo, são essas as pistas principais que Jack deixa em seus discursos, em
seus gestos, em qualquer coisa que faça relacionada à Grace. E uma das piores consequências
dessa dominação exercida por ele, na minha opinião, é o fato de fazê-la pensar
que todo esse cerco, essa bolha que ele criou em volta da esposa, vai fazer bem
a ela de alguma forma.
É no mínimo triste ver a mudança que ocorre em Grace,
interna e externamente, a partir do momento que Jack entra em sua vida. De uma mulher
decidida, segura de si e bem-sucedida profissional e pessoalmente, a nossa
protagonista se transforma em um ser apático, submisso e obediente, incapaz de
pensar ou agir por conta própria. Grace se anula completamente dentro desse relacionamento,
no início por amor, mais tarde por medo. Medo não apenas por si mesma, mas pela
irmãzinha, que viria a ser mais uma vítima nas mãos de Jack. Revolta, choca e
faz doer toda a situação com a qual Grace se vê envolvida. Jack, que no início
mostrou-se o parceiro ideal, torna-se frio, cruel e sádico ao longo da
narrativa, e também é doloroso acompanhar esse desenvolvimento.
Em várias passagens do livro me senti acuada, indefesa e frágil,
junto com Grace. Em vários momentos consegui me envolver tanto com a narração de
Grace, me sentir tão tocada por ela, que as lágrimas vieram quase naturalmente.
Em vários trechos do livro precisei parar a leitura, controlar a respiração e
pensar duas vezes antes de voltar às páginas, sempre nutrindo a esperança vã
(que é também o que move Grace) de que tudo ficará bem no fim. É difícil, para não
dizer impossível, não entrar dentro da trama, não se comover com a situação da
protagonista, não ser empático e sensível à dor quase palpável que a destruição
de todos os sonhos que Grace tanto acalentou causa dentro dela mesma. Talvez sejam
esses mesmos sonhos que dão forças a ela para aguentar o que lhe é infligido,
talvez seja o amor que nutre por sua irmã, talvez seja a última chama ainda
acesa de que tudo aquilo não passe de um pesadelo. Na verdade, não importa. O que
importa aqui é que, com uma narrativa delicada e ao mesmo tempo forte, somos
levados a sentir o soco no estômago que é Entre Quatro Paredes. A autora
consegue transmitir, através de sua narradora, uma situação tão real, tão
concreta, que amedronta, afugenta e faz sofrer, ao mesmo tempo em que chama o
leitor à realidade, coloca sobre ele a responsabilidade de não apenas
acompanhar essa história, mas também pensar em qualquer atitude que possa ser
tomada para remediar (se é que isso é possível) a dor e a tristeza causadas por
esses abusos.
Eu entendo, também, que talvez exista em Jack algum tipo de
anomalia que o torna tão cruel e o leva a tomar determinadas atitudes. Em diversas
passagens da narrativa o protagonista menciona uma necessidade funesta pela
violência, por se alimentar, de alguma maneira, da dor do outro. Quem sabe essa
seja a verdadeira face desses abusos, o verdadeiro fator que o leva a cometer
tantas atrocidades. Porém, em outras diversas passagens o leitor acompanha o
sofrimento que essa situação causa em Grace, e a satisfação tremenda e incontestável
que essa dor provoca em Jack. É difícil, para não dizer impossível, ficar
alheio e se manter racional frente a todas as provações pelas quais a
personagem principal passa. É difícil não torcer por ela, e odiar Jack, de
forma avassaladora e irreversível. É difícil não querer estender a mão, abraçá-la
e arrastá-la da casa que ela um dia sonhou chamar de lar. E é esse o sentimento
que nos acompanha até o final da narrativa, junto a tantas outras emoções
incômodas, dolorosas e fortes, que nos tiram da zona de conforto e nos
desmascaram uma realidade nada bonita, mas extremamente verídica.
Mas essa resenha não é apenas feita de dor e sofrimento. Em meio
a esse turbilhão de emoções, também encontramos um alívio, um sopro de brisa
fresca e doce, que se chama Millie. A irmãzinha de Grace é sem dúvidas uma das
melhores personagens que eu já pude conhecer nessa longa vida literária. Apesar
de ninguém além de Grace acreditar realmente na capacidade da menina, sua inteligência
e perspicácia vão além dos limites impostos a ela pela opinião alheia. Divertida,
alegre e sempre grata aos pequenos presentes que a vida lhe reserva, Millie é
um exemplo para todos nós. O amor e a admiração que ela nutre por Grace são tão
fortes que ela quer protegê-la de todo e qualquer sofrimento. É impressionante
a forma como a garotinha realmente sente quando algo está errado, quando Grace não
se mostra bem e feliz. E é mais impressionante ainda a disposição que Millie
demonstra para mudar essa situação e reverter o que tanto incomoda sua irmã.
Meiga, esperta e encantadora, essas são as reais características que tornam impossível
não se apaixonar pela garota.
O final da narrativa foi um dos pontos menos positivos para
mim no livro. Apesar de eu respirar aliviada com ele, na minha opinião ele
aconteceu de forma muito rápida, sem o aprofundamento necessário. Gostei da
forma como a narrativa foi construída, de modo a entregar aos poucos para o
leitor os elementos desse desfecho, e realmente não existiram pontas soltas. Minha
ressalva está mais ligada ao fato de ele parecer muito corrido, como se a
autora estivesse com pressa para fechar a narrativa. Independente disso, Entre
Quatro Paredes não é apenas uma ótima recomendação, mas também um livro necessário,
em qualquer época ou lugar. A obra criada por B. A. Paris nos faz refletir não apenas
sobre um tema que bate a nossa porta em vários momentos ao longo da vida, mas também
sobre nós mesmos e nossas atitudes (ou a falta delas) frente a situações como
essa. Talvez por isso seja tão duro e doloroso terminar essa narrativa, ao
mesmo tempo em que é preciso terminá-la. Mais do que isso: é preciso
compreender que ela não se encerra na última página lida. Há muitas Graces
esperando ajuda por aí, muitos Jacks espalhando terror e medo, e nós, como
seres humanos, temos o dever de ficar atentos a esse tipo de situação e fazer o
que for possível para ajudar.
E vocês, já leram o livro? O que acharam? Me contem nos comentários, combinado? E perdoem a resenha gigante de alguém que realmente se sentiu extremamente tocada por esse livro (rs). Até a próxima postagem!
O livro é demais, eu só preciso saber se realmente acabou ou se minha esperança de ter uma continuação pode se manter viva???
ResponderExcluirPor favor me diga que tem um segundo livro...
Estou no começo do livro... com ele percebi que quase permaneci num relacionamento que poderia vir a ser abusivo... Fiquei me imaginando no lugar da Grace, mas, dessa vez, sem uma Millie pra me salvar... Esse papel coube a meu melhor amigo, que hoje chamo de namorado... As vezes, essas coisas estão mais perto que imaginamos, Grace é uma das personagens pelas quais mais senti empatia até hoje..
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