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[RESENHA] As Mãos de Jacó - J. Modesto

16 abril 2018

Olá, viajantes!

Eu não sei se vocês compartilham da minha opinião, mas eu curto muito os contos. Eles são rápidos, intensos e bastante instigantes, acabam nos conquistando em poucas palavras. E a resenha de hoje é exatamente de um conto, escrito pelo nosso mais novo escritor parceiro, J. Modesto. Confiram as minhas impressões sobre As Mãos de Jacó!

As Mãos de Jacó

TÍTULO: As Mãos de Jacó
AUTOR: J. Modesto
EDITORA: Dragonfly
NÚMERO DE PÁGINAS: 60 páginas
SINOPSE: Todos nós escondemos segredos e os guardamos nos espaços mais profundos de nossa alma. Mas o que acontece quando esses segredos chegam ao ponto de nominá-lo, afetando aqueles que ama, e os expondo aos seus demônios?


    

Jacó nasceu em uma família de lavradores, sendo o oitavo de nove irmãos. Desde o início, sua vida nunca foi fácil: com muitas bocas para alimentar, seu pai trabalhava muito e os irmãos o ajudavam. Mesmo assim, as condições de vida não eram boas e as necessidades aumentavam. Em algum momento da vida, Jacó desenvolveu verdadeira fascinação por um órgão do corpo humano: as mãos. E foi essa obsessão que o levou a especializar-se nesse assunto e abrir seu próprio consultório, alcançando relativo sucesso. Ao longo do tempo, porém, essa obsessão escapa ao controle e passar a conduzir os atos de Jacó, transformando sua vida completamente.

As Mãos de Jacó é considerado um conto, apesar de eu caracterizá-lo mais como novela (muito longa pra ser conto, muito curta pra ser romance). Por conta da extensão menor do que na maioria dos livros que trago aqui pra vocês, vou me ater aos destalhes técnicos. Se eu falar muito do enredo possa dar algum spoiler indesejado e estragar a leitura de vocês, e não é isso que eu quero.

Contado através de cartas escritas pelo próprio Jacó a um remetente específico, a história se desenrola bem rapidamente. Na minha opinião, as cartas são sempre uma boa escolha pra narração em primeira pessoa, porque dão mais individualidade à narrativa, como se estivéssemos mesmo ouvindo aquela história da boca do narrador. Além disso, elas nos dão a possibilidade de conhecer o narrador ainda mais a fundo, sabendo o que ele pensa, sente ou a forma como age frente às diferentes situações que aparecem.

Quanto às personagens, elas nos são apresentadas de maneira bastante direta e sem rodeios, o que é relativamente normal dentro deste gênero. Além do protagonista, poucas delas tem um maior aprofundamento psicológico, físico ou moral e nas poucas vezes em que isso acontece é a visão do narrador que prevalece. Apenas ele fala durante toda a narrativa, o que restringe, de alguma forma, o restante das personagens e o próprio leitor, que acaba ficando apenas com os apontamentos do narrador sobre os fatos, ou seja, a perspectiva aqui não é totalmente imparcial. Precisamos levar em conta, no entanto, que esse é uma recorrência bastante comum quando se trata de narração em primeira pessoa.

Jacó é um protagonista bastante incomum, na minha opinião. Extremamente objetivo e racional, ele tem uma dificuldade grande em se relacionar com o sexo oposto, o que acaba por gerar alguns boatos maldosos acerca de sua figura. Por outro lado, temos uma outra face da personagem, que é descontrolada e entregue aos impulsos, e que aos poucos vai ficando evidente, conforme avançamos na leitura. É interessante perceber que essas duas facetas convivem dentro de uma mesma pessoa, ao mesmo tempo e pacificamente. Ao menor desequilíbrio, tragédias acontecem, e essa é a frágil linha na qual o protagonista se equilibra: dentro de sua objetividade, ele precisar manter-se são e focado em não perder o controle, ou pelo menos não deixar que as pessoas saibam que esse controla é praticamente impossível de existir.

Tudo acontece muito rápido na narrativa e sim, eu sei que eu já disse isso muitas vezes ao longo dessa resenha. Eu acho importante frisar esse ponto, no entanto, porque é algo que realmente chama a atenção, algo que não passa despercebido, principalmente para leitores acostumados com longos desfechos e enredos complexos. O que temos aqui é uma história relativamente simples, mas que trata da essência do ser humano, das suas vontades mais profundas e dos seus impulsos mais emergentes. Na minha opinião, essa é a verdadeira sacada do autor: ele traz à tona reflexões acerca do próprio ser humano e nos leva em uma viagem interior não apenas do protagonista, mas de nós mesmos, nos desafiando em diversas situações, fazendo-nos reconsiderar conceitos e valores. Está aí a principal função dessa leitura, se é que ela precisa de uma.

Ao mesmo tempo, a narração é fluida e envolvente, tu simplesmente não vê as páginas passarem, e como elas são poucas, em questão de horas a leitura está terminada. É interessante, porém, observar o contraste entre a quantidade diminuta de páginas e a densidade da história. Os temas tratados são interessantes, mas exigem do leitor atenção e perspicácia, ao mesmo tempo em que a forma leve como o narrador conduz a história, bem como o formato de cartas, dão ao conto uma sutileza que quase engana quanto ao seu potencial. 

Um dos únicos pontos menos positivos pra mim foi o desfecho do conto. Não pela rapidez com que acontece, porque acho que o autor soube muito bem preparar o terreno pra isso e não deixa pontas soltas: tudo é explicado no decorrer do conto, basta estar atento. Em compensação, essa mesma atenção acaba te entregando o final da narrativa cedo demais, e é aqui que está o meu problema: as coisas se tornaram previsíveis pra mim. Estou acostumada ao gênero, é verdade, e talvez por isso o ocorrido, mas esse fato acabou fazendo com que eu não surpreendesse com o final.

Independente disso, dei cinco estrelas ao conto porque acho que ele cumpre satisfatoriamente o que promete: uma história sobre obsessão e loucura, uma linha tênue que vamos entender ao longo de As Mãos de Jacó. Recomendo a leitura a todos vocês, viajantes! Até a próxima postagem!